ANITA MALFATTI
Paulo Figueiredo Galeria de Arte

27 de novembro a 28 de dezembro de 1978


Exibir mais obras


É com grande honra que iniciamos nossas atividades com esta exposição de Anita Malfatti, a "sensitiva do Brasil" como tão bem a chamava Mario de Andrade.

Apresentamos uma coleção que abrange todo o trabalho de Anita desde o período de estudos (1913-1916) até suas últimas obras ingênuas dos anos 60.

Consta de pinturas, aquarelas, pastéis, desenhos, água-fortes que participaram desde a primeira exposição de 1914 realizada na Casa Mappin até a última retrospectiva de 1977 no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.

Agradecemos a colaboração de Paulo Mendes de Almeida, Menotti del Picchia e Marta Rossetti Batista assim como a participação de Viviana Galante e Bety Malfatti.

Paulo Figueiredo Filho e Ricardo Pagotto Camargo

Anita Malfatti

Duas grandes artistas femininas, paulistas ambas, brilharam no Movimento Modernista que teve sua eclosão nas famosas noitadas no Teatro Municipal em 1922: Anita Malfatti e Tarsila Amaral.

No nosso movimento renovador que teve inicialmente como líderes Oswald de Andrade, Mario de Andrade e eu, a única figura feminina integrada no nosso grupo foi Anita, a pioneira. Sua incursão pela Europa alargara sua visão e sua técnica, liberara-a do naturalismo acadêmico que, no tempo, ainda projetava, da Europa para o mundo, o nome dos grandes pintores.

Talvez a influência renovadora de Cezanne tivesse impressionado a artista brasileira.

Sua pintura característica e austera vinha marcada por uma forte personalidade. Sóbria, segura, autêntica, suas obras não se repetiam. Eram pessoais e características.

Tarsila, a outra grande figura do nosso modernismo, surgiu de um fenômeno diverso.

Foi depois de 22 que, vinda da Europa integrou-se no movimento renovador, repudiando o passado, criando uma pintura característica e original, inaugurando uma temática saborosamente surrealista mas bem brasileira.

Anita, a pioneira, e o grande Di Cavalcanti tornaram-se dentro do movimento os expoentes da nova pintura agora enriquecida pela presença de Tarsila, todos fiéis ao espírito da famosa semana.

Menotti del Picchia

Anita Catarina Malfatti nasce em 2/12/1889, em São Paulo.

É filha do italiano Samuel Malfatti e de Eleonora Elizabeth Malfatti, norte-americana de ascendência alemã. Alexandre, Guilherme e Georgina são seus irmãos.

Anita é portadora de atrofia congênita no braço e mão direita.

Em 1892 viaja com a família para Lucca, na Itália, afim de se submeter a operações corretivas, não obtendo sucesso, no entanto.

De volta a São Paulo, em 1894, recebe orientação especial de uma educadora, para o uso a mão esquerda.

Com a morte de seu pai, sua família se muda para a casa de seus avós maternos, e sua mãe dá aulas particulares de pintura e língua afim de equilibrar o orçamento doméstico.

Malfatti com grande força de vontade aprende a escrever, desenhar e pintar com a mão esquerda. Inicia-se, a exemplo de sua mãe, no campo do desenho e da pintura.

Em 1909 pinta seu primeiro quadro, o óleo "Burrinho Correndo", a pedido de seu irmão. Enytre 1909 e 1910 pinta várias outras telas, porém destaca-se a denominada "1ª tela de Anita Malfatti".

Desejando estudar pintura no exterior mas não possuindo recursos financeiros próprios para viajar, Anita sensibiliza seu padrinho e tio Jorge Krug, e este financia a viagem à Alemanha em 7/9/1910.

Anita chega a Berlim em pleno efervescer expressionista. Os pintores expressionistas conflitam-se com os pintores consagrados.

Lá, ela pôde ver e discutir "in loco" a arte moderna com os marchands Cassirer e Fritz Gurlitt, bem como acompanhar as atividades de Herward Walden na sua revista e observar a atuação da Galeria Der Sturm, interessada no desenvolvimento das idéias futuristas.

Com 20 anos, alegre, comunicativa, curiosa frente às manifestações existenciais e artísticas, preocupa-se em entender o que faz de uma pintura uma obra de arte.

Estuda no atelier de Fritz Burger.

Durante 6 meses desenha dia e noite fazendo infinitas experiências com as cores. Ingressa na Academia Real de Belas Artes de Berlim.

Ao visitar uma grande exposição de pintura moderna, Anita se entusiasma com a técnica e o transbordamento de cores num mesmo espaço usado pelo artista. O pintor é Lovis Corinth.

Ela própria é quem diz:

"Os objetos se acusam só quando saem da sombra, isto é, quando envolvidos na luz. Tudo é resultado da luz que os acusa, participando de todas as cores, comecei a ver tudo acusado por todas as cores. Nada neste mundo é incolor ou sem luz".

Procura Lovis Corinth e em uma semana começa a receber aulas.

Em 1913 inicia-se também na gravura em metal.

Devido aos rumores de guerra, em 1914 retorna ao Brasil, via Paris. Pinta retratos e faz sua primeira individual em São Paulo, na Casa Mappin. Viaja aos Estados Unidos.

Em 1915 mora em Nova York. Estuda pintura e gravura na Art Students League.

Nessa época pinta paisagens célebres como "Rochedos", "O Barco", "O Farol" e "A Ventania", fruto de sua estada na pequena ilha de Monhegan na costa do Maine, com o professor Homer Boss.

Desenha muitos modelos masculinos que lembram halterofilistas, compondo de maneiras diferentes em diferentes técnicas e espaços. Não raro seus desenhos fugiam do espaço predeterminado que era a folha de papel padronizada.

No óleo, Malfatti sempre dava preferêncai aos retratos. Pintava direta e rapidamente. O colorido era sempre cuidadosamente elaborado com pouca tinta, numa técnica "aquarelada" do óleo, que as vezes chegava a escorrer na tela.

Nascem os retratos mais importantes de sua carreira, "O Japonês", "A Boba", "A Mulher de Cabelos Verdes" e "O Homem Amarelo".

Anita é então caracteristicamente expressionista e se manifesta contemporânea aos seus colegas alemães, porém como eles, sua meta é apresentar uma forma simbólica e psicológica do sofrimento humano.

Volta ao Brasil em agosto de 1916, entusiasmada e identificada com suas conquistas artísticas, esquecida das muitas barreiras que vencera.

Suas obras são incompreensíveis para todos.

Seu temperamento não permitia magoar nem sem magoada e resolve "guardar as telas". Ciente da situação e de sua posição, comentou:

"Ninguém ainda soube criticar um trabalho de inspiração individual, pois não havendo precedentes só poderiam limitar-se a um insulto".

Participa do concurso de artes plásticas sobre a figura do Saci, idealizado e organizado por Monteiro Lobato, e sua obra "O Saci" torna-se ponto de atração na exposição onde figuram todos concorrentes. Di Cavalcanti quer conhecer essa pintora "estranha" e vai a sua casa ver as obras "guardadas", convencendo-a a expor.

Em 12/12/1917 abre-se a exposição.

Esta exposição individual de Anita marcará o primeiro passo para a tomada de posição dessa nova "maneira de pintar" no Brasil.

Di, Guilherme de Almeida, Oswald e Mario de Andrade estão sempre presentes. O impacto sobre eles é grande mas acabam por assimilar a obra de Malfatti e tornam-se seus defensores.

Anita sente o peso de sua missão.

Combatida por quase todos, passa a duvidar da validade de seu caminho.

Debate-se em dúvida por longos meses.

Em 1918 e 1919 expõe no Salão Nacional de Belas Artes no Rio. Abre concessões e pinta manchas coloridas, leves, inclinadas ao impressionismo. Estuda com Pedro Alexandrino.

Em 1920 tem sua individual em São Paulo e em 1921 em Santos.

Passa a freqüentar o atelier de elpons e liga-se mais efetivamente ao grupo modernista, reagindo às concessões dadas, reassumindo a "causa moderna".

Afim de se reencontrar, Anita volta ao expressionismo retomando as pesquisas da fase norte-americana durante a segunda metade de 1922. É a época do chamado "grupo dos cinco", de que faziam parte Menotti, Anita, Tarsila, Mario e Oswald de Andrade.

Exercita o traço, modificando o desenho inicial, sintetizando-o. São desenhos bastanta admirados na época e posteriormente serão considerados como de suas realizações mais pessoais. Sua produção cresce.

1922, Semana de Arte Moderna.

"E, pela primeira vez, São Paulo se interssou, com paixão, por um problema de arte, pela primeira vez em meio do nosso industrialismo, saíam as conversas do ramerrão das preocupações materiais e da maledicência para o terreno das idéias gerais", diria Paulo Prado.

"Juntando ao grupo literário o grupo plástico, Anita e Di revolucionaram a pintura", diria Menotti.

"E a Semana teve dupla função: em primeiro lugar foi uma espécie de balanço ou inventário do que os novos de então vinham fazendo em literatura, música, pintura, escultura, arquitetura, e em segundo lugar foi uma espécie de manifesto ao vivo de que existia um novo espírito nas artes brasileiras, em São Paulo e no Rio mais precisamente", analizava Péricles Ramos.

Anita participou na Semana com 12 óleos e 8 desenhos, vendendo "O Homem Amarelo" para Mario de Andrade e "A Onda" para Paulo Prado, entre outros.

Em 1923 ganha o Pensionato Artístico do Estado de São Paulo e parte para a Europa, indo encontrar em agosto alguns dos companheiros modernistas que estagiem em Paris, que eram Rego Monteiro, Brecheret, Tarsila, Gomide, Di, Oswald de Andrade e Sergio Milliet. Participa de uma coletiva na "Maison de L'Amérique Latine", sede provisória.

A arte moderna agora é bem aceita.

Trabalha nesse meio artístico novo, no firme propósito de uma ressurreição artística. Recebe influência no desenho da Escola de Paris e desenvolve grandes séries de Nus femininos, a lápis e a nanquim, onde a figura construída fica mais "limpa" e resumida.

Em 1924 participa da mostra de arte latino-americana no "Musée Galliera". Pinta "Canaleto" e "Interior de Igreja" que expõe no XVII Salão de Outono em Paris.

Em 1925 pinta "Interior de Mônaco", sob influência de Matisse.

Ebtre 1926/27 desenvolve obras muito pessoais numa variação dos seus interiores-exteriores. Sua pintura é bem individualizada.

Anita é muito bem recebida pela crítica francesa. Retoma a temática de mulheres ao balcão em algumas aquarelas. Nota-se certa preocupação de Anita com o primitivismo.

Expõe na Galeria André, com uma individual, no XIX Salon d'Automne.

Em 1928 volta a participar no XXXIX Indépendats.

Volta ao Brasil.

Em 1929 monta individual em São Paulo.

Em 1930 organiza com D. Olivia Guedes Penteado a sessão paulista da Exposição Brasileira para o Roerich Museum de Nova York e dela participa. Leciona desenho no Mackenzie College.

Em 1931 ilustra o livro "Você" de Guilherme de Almeida. Integra a Comissão Organizadora da XXXVIII Exposição Geral de Belas Artes no Rio e nele expõe 6 obras.

Em 1933 está presente à Fundação do Salão Paulista de Arte Moderna.

Pinta os retratos de A.M.G. e de Georgina que são premiados no I Salão Paulista de Belas Artes.

Em 1935 participa do II Salão Paulista de Belas Artes e tem individual em São Paulo.

Em 1936 está no III Salão Paulista de Belas Artes.

Em 1937 monta individual no Rio e participa da I Exposição da Família Artística Paulista. Em 1938 participa do IV Salão Paulista de Belas Artes. No ano seguinte participa do II Salão da Família Artística Paulista e do III Salão de Maio.

Em 1940 assume a presidência do Sindicato dos Artistas Plásticos e participa do III Salão da Família Artística Brasileira.

Em 1941 participa do I Salão de Arte da Feira Nacional de Indústrias e VI Salão do Sindicato.

Em 1944 expõe no VIII Salão do Sindicato e na mostra de Arte Moderna de Belo Horizonte, promovida pela Prefeitura desta cidade.

Malfatti visita as cidades históricas, desenha e pinta Ouro Pretom vai a Congonhas e impressiona-se com o Aleijadinho. Este contato com Minas histórica, suas cidades, a escola de Guignard, deixa-lhe profundas marcas.

Participa da exposição organizada pela União Universitária Feminina no Rio, da exposição de Pintura Moderna Brasil-EUA em São Paulo e do IX Salão do Sindicato.

Com a morte de seu amigo Mario de Andrade, sofre grande abalo emocional no início de 1945.

Somente no final deste ano monta uma individual em São Paulo, de técnica impressionista.

Em 1946 expõe no X Salão do Sindicato e integra a mostra em homenagem póstuma a Mario de Andrade.

Retira-se para o litoral santista e lá desenha e pinta a região.

Em 1949 tem sua retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo e participa do I Salão Paulista de Arte Moderna, em 1951.

Em 1952 suas obras estão presentes na exposição comemorativa da Semana de Arte Moderna de 1922 no MAM de São Paulo. Expõe no MAC do Chile.

Vende sua casa da Rua Ceará onde ensinava pintura e desenho, após a morte de sua mãe, e muda-se de São Paulo para uma chácara em Diadema, sempre acompanha de sua irmã Georgina.

Em 1954 volta a desenhar e pintar regularmente.

Os temas religiosos predominam. Em 1955 monta individual no MASP sob o título "Tomei a liberdade de pintar a meu modo". Lourival Gomes Machado comenta: "Há nesse grito de independência algo de renúncia e, muito de ruptura... não obstante, há um preço para a liberdade integral, pois há um preço para todas as conquistas...".

Participa também da II Exposição Oficial de Pintura em Atibaia e no IV Salão Paulista de Arte Moderna.

Em 1957 interessa-se pela arte abstrata e faz algumas experiências com óleo e pastel. Participa da Exposição Arte Moderna no Brasil, em Buenos Aires.

Em 1962 participa da Exposição Comemorativa do 40º aniversário da Semana de 22, na Petite Galerie.

Fraca e adoecida, limita sua produção e repousa a maior parte do tempo.

Em 1963 tem individual em São Paulo e a VII Bienal dedica-lhe Sala Especial, com exposição retrospectiva.

Em 1964 no Tio, participa da exposição no Instituto Brasil-EUA, denominada "O Nu como tema".

Em 6/11/1964 morre esta incansável pintora.

Marta Rossetti Batista escreve:

"A sofrida pioneira do Movimento Modernista está em paz entre as danças, as folhas e os animais, aos domingos no movimento da praça. Novamente se integra na humanidade, desta vez irmanada aos passantes sem nome, fundidos na natureza".

Sua participação na arte brasileira prossegue, agora sem sua vibrante presença.

Em 1965 está no XIV Salão Paulista de Arte Moderna, em 66 na Yale University Art Gallery e na University of Texas Art Museum na exposição "Art of Latin America since Independence", no Museu de Arqueologia da USP, Museu de arte da Prefeitura de Belo Horizonte, no Departamento de Cultura do Estado do Paraná, e na II Exposição Circulante de Obras no acervo do MAC da USP.

Em 1967 está em Porto Alegre no Museu de Arte do Rio Grande do Sul.

Em 1971 recebe uma retrospectiva na FAAP.

Em 1972 com a coleção de Gilberto Chateaubriand é feita a exposição "50 anos de arte brasileira" na Galeria do IBEU no Rio de Janeiro. Em São Paulo está representada na exposição que faz o MASP denomidada "Semana de 22 - Antecedentes e Conseqüências". Tem individual no Centro de Artes Novo Mundo.

Em 1973 participa da exposição do MAC "Novas doações e aquisições" e na denominada "Alguns aspectos do desenho brasileiro" promovida pela Galeria do IBEU no Rio.

Em 1974 expõe no MASP na exposição "Tempo dos Modernistas".

Em 1975 participa da mostra "O Modernismo" no Museu Lasar Segall, da exposição da Azulão denominada "O tema é mulher", e tem a Sala Brasília da XIII Bienal de São Paulo.

Em 1976 está presente em Paris na Galeria Art Curial na exposição "Brasil, Artistas do Século XX", no Museu Lasar Segall na exposição "Os Salões", e na Galeria Arte Global na exposição "Arte Brasileira Século XX".

Em 1977 o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo monta importante retrospectiva de Anita.

Anita Malfatti quando de sua volta ao Brasil, em 1916, antes de sua individual, marco do movimento modernista brasileiro, declarava a Mario de Andrade:

"Durante estes anos de estudo, pintara simplesmente por causa da cor. Devo confessar, não fora para iluminar a humanidade, não fora para enfeitar as casas, nem fora para ser artista. Não houve preocupação de glória, nem de fortuna, nem de oportunidades proveitosas".

Não teria sido por assim ser que Anita Malfatti tão bem cumpriu sua missão de protomartir na história da arte brasileira?


Copyright © 2013 | RICARDO CAMARGO Galeria | Todos os direitos reservados.