Curioso esse Emendabili das obras monumentais! Nele é grande também a tortura da forma à procura da perfectabilidade, através da qual buscou fixar lances de epopéia e figuras que marcam um momento cívico a que soube emprestar extraordinária grandeza. Estou me lembrando agora do seu Herói Jacente. Não há ódio, não há espasmo de dor, não há sentimento de vindita no jovem que morreu por um ideal... E o ideal é sempre nobre, supera as limitações inspiradas pelos interesses por vezes mesquinhos de políticos, nem sempre afinados com os legítimos anseios populares.
A escultura de Emendabili é sóbria, lisa, os músculos já não estão retesados, até os adversários de São Paulo, na gesta de 32, poderiam emocionar-se de pura estesia diante do adolescente que soube morrer moço para viver sempre...
Falei na tortura da forma e me lembrei que de uma feita surpreendi Emendabili debruçado sobre um tratado de anatomia para definir bem, em termos de escultura, as imagens humanas que estava pacientemente modelando na argila.
Outro aspecto que desejo realçar na figura desse escultor que nasceu na Itália é a sua cultura geral, os seus conhecimentos profundos de Hstória do Brasil, país com o qual se identificou sempre - nas alegrias e amarguras.
Emendabili pensa bem, desenha bem, esculpe bem. Um pesquisador incansável que objetiva dar autenticidade à sua peripécia artística. Me lembro até que Emendabili se tornou amigo do escritor Nelson Werneck Sodré, lúcido intérprete de nossas realidades político-sociais mais pugentes, exatamente para que, orientado pelo ensaísta, pudesse dar ao Caxias pacificador as características que informam a concepção, humanista na sua grandeza plástica. O Caxias emendabiliano não é um Caxias militarizado em excesso, mas antes um líder equânime, um Caxias humano, sonhado com a Pátria livre e unida, caminhando consciente pelos rumos da liberdade.
Enquanto datilografo esta notinha sobre Emendabilia recordo que vi, no seu "atelier" da rua Bela Cintra, cheinho de planos, desenhos, projetos e esboços, um Cristo que me emocionou profundamente. Não era o Cristo manso, perdulário de ternura, militante dos perdões, que ali estava pronto para o milagre de metamorfosear-se, saindo do gesso para o bronze e, pois, para a Eternidade. Era um Cristo altivo, eu quase diria insolente - o Cristo sobranceiro que um dia perdeu a paciência e expulsou os vendilhões do templo. Emendabili ficou esse sentimento ou ressentimento de Cristo no belo rosto erguido na testa ampla, repositório de idéias de libertação dos oprimidos...
Estou recolhendo subsídios para um trabalho de maior fôlego a respeito do artista. Desde logo me parece justo sublinhar a contribuição de Emendabili no campo das artes plásticas, consagrando valores sem os quais a escultura perde a sua força de eternidade e mesmo a sua dignidade como sinal dos tempos.
São Paulo, 1942
Mário de Andrade