ANTONIO GOMIDE
60 Obras Inéditas - Décadas de 30, 40 e 50

Exposição e Vendas nº 30
27 de agosto a 30 de setembro de 1989


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Descobri, ainda menino, nos idos de 67, a obra de GOMIDE. Foi quando trabalhei com meu irmão Ralph, durante exposição por ele promovida. O impacto foi positivo. Dessa época até hoje, acompanhei com sensibilidade e como marchand, exposições e mercado de GOMIDE. Sensibilidade, por se tratar de artista maior, possuidor de grande qualidade técnica. Como marchand demorei a entender porque GOMIDE não ultrapassava as fronteiras de São Paulo.

Com informações do Prof. Walter Zanini, entendi o homem tímido que foi GOMIDE, avesso a promoções. Quero notar que durante a minha carreira de 20 anos de marchand, sempre casaram com a minha personalidade as técnicas de aquarela, desenhos: a arte sobre papel. Tão reconhecida e marcante internacionalmente: em museus e coleções particulares.

Por tudo isto é que me sinto feliz em apresentar aos colecionadores brasileiros esta exposição: de uma coleção cuidadosamente guardada, didaticamente, inclusive, durante três décadas. Mais ainda por se tratar de obras do grande artista brasileiro ANTONIO GOMIDE.

Ricardo Camargo

Antonio Gonçalves Gomide nasceu em Itapetininga (SP) aos 3 de agosto de 1895. Depois de breve permanência em São paulo, a partir de 1910, a família mudou-se para Genebra em 1913. Na cidade suíça, Gomide matriculou-se na Escola de Belas Artes onde permaneceu até 1918, ano em que a família, com a sua exceção, retornou ao Brasil. Nessa escola, tirou proveito das lições do influente professor Gillard. Seu aprendizado junto a Ferdinand Hodler data de 1917-8.

Foram contemporâneos de Gomide, em Genebra, Sérgio Milliet, Rubens Borba de Morais e Alberto Cavalcanti. Ali conheceu Maryon, a amiga que o acompanharia a Paris em 1920 e mais tarde, por alguns anos, ao Brasil, em 1929. Em fins de 1918 iniciou sua viagem de estudos à Espanha e Portugal, tendo regressado ao Brasil. Novamente em Genebra, em 1920, foi admitido numa exposição coletiva realizada simultaneamente no Museu Rath e no Athénée, obtendo referência especial do júri. A essa altura, todavia, a cidade não mais reunia atrativos capazes de reter o jovem artista que se transferiu para Paris, alugando ateliê em Montparnasse. Sua subsistência era assegurada pela atividade como desenhista de padrões de tecidos nas casas "La Maitrise", "Tissus Rodier", etc. Amigo de outros brasileiros residentes na capital francesa, entre os quais o escultor Brecheret, de quem era vizinho, e o cineasta Alberto Cavalcanti (por intermédio de quem foi convidado a preparar o cartaz de lançamento do filme "Il fu Mattia Pascal", de Marcel Lerbier, em 1925), Gomide, por outro lado, conheceu importantes artistas europeus como Picasso, Braque, Picabia, Severini e Lhote. São os anos em que seu estilo demonstra acentuada absorção de princípios cubistas. Participou do Salão "des Indépendants", do Salão "d'Automne" e de outras mostras. Mas uma nova fase se inaugurou em 1924 quando passou a trabalhar em Tolosa sob a direção do muralista Marcel-Lenoir, aprendendo a técnica do afresco.

Em 1926, Gomide resolveu empreender nova viagem ao Brasil e durante uma estada de vários meses, realizou uma exposição no início de 1927 (destinada a ser uma das raras mostras individuais de toda a sua carreira), apresentando 76 obras, na antiga galeria da Avenida São João, 187. Ainda em 1927, executaria tarefas de decoração mural em São Paulo. Ao lado de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Vicente do Rêgo Monteiro, contribuiu para a renovação artística do país. Na ocasião de sua mostra, Mário de Andrade considerou-o "entre os sujeitos de importância na arte viva do Brasil" e Menotti del Picchia vaticinou que ele "será combatido pelos passadistas e incompreendido pelos "snobs" que acharão magnífica sua obra". Em 1928 colaborou com a ilustração no nº 4 da "Revista de Antropofagia". Quando no início de 1928 reembarcou para a Europa o fez certamente com a convicção de que não demoraria a voltar definitivamente, o que de fato ocorreu em 1929, depois de uma permanência no estrangeiro de 16 anos.

É pois aos 34 anos que Gomide vai procurar integrar-se à arte de seu país de origem. Sua pintura fortemente marcada pela estética cubista sofrerá profundas e rápidas transformações, nacionalizando-se radicalmente. Desde o regresso demonstrou aptidões didáticas e durante muitos anos orientou inúmeros alunos, reunidos em pequenos grupos, nos ateliês que abria e fechava em vários pontos da cidade. Em 1930 participou da exposição organizada pelo International Art Center of Roerich Museum (New York). Desde 1928-9 até c. 1945, forneceu grande quantidade de cartões para vitral à firma de Conrado Sorgenicht Filho. Gomide não se resumia a desenhar e aquarelar os cartões, mas os transpunha para o tamanho natural e acompanhava a execução.

Gomide foi um dos fundadores da efêmera Sociedade Pró Arte Moderna (SPAM) em fins de 1932, participando da I Exposição de Arte Moderna organizada pela associação em abril-maio de 1933 com a presença de c. 100 obras de artistas nacionais e estrangeiros. Tornou-se também dirigente de outra entidade da época, o Clube dos Artistas Modernos (CAM) para cuja festa de inauguração (novembro de 1932) preparou painéis decorativos de grandes proporções juntamente com Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho e Carlos Prado. Durante algum tempo ornou os salões do antigo Hotel Terminus, à Rua Brigadeiro Tobias, para os bailes de carnaval. Gomide compareceu aos três salões de Maio (1937-8-9) inclusive como membro do "Comitê de aceitação de obras" da última dessas manifestações, ao lado de Segall, Brecheret, Flávio de Carvalho e Jacob Ruchti. Figurou no V e VI salões do Sindicato em 1939 e 1940. Teria sido nesse momento ou pouco antes que ao lado de Segall realizou inúmeras aquarelas focalizando o Mangue.

Em 1941 fez parte do I Salão de Arte da Feira Nacional de Indústrias. Participou uma única vez da Bienal de São Paulo (em 1951) com 3 trabalhos. No ano seguinte foi convidado a expor na mostra "Painéis juninos" promovido pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. É o autor dos 3 relevos executados a jato de areia no edifício pertencente ao Mosteiro de São Bento. Em 1957 ilustrou o "Pequeno Cancioneiro", de Guilherme de Almeida. Nos últimos anos de sua vida o interesse de alguns amigos fez com que se realizassem algumas mostras individuais de Gomide: na Selearte e na Casa do Artista Plástico (1963), na Associação Cristã de Moços (1966), na Galeria Astréia e na art Galeria, juntamente com obras de Paulo Rossi Ozir e Elyseo Visconti (1967).

Um outro aspecto de Gomide, do homem, está na inclinação para o esporte que praticou em várias modalidades: o boxe, ao qual pagou o tributo de prejudicar seriamente uma vista quando muito jovem (em Genebra), a natação, o remo e a esgrima.

Essa atividade contribuiu para o porte avantajado de seu físico. Seus amigos falam de um indivíduo que vivia intensamente e que procurava traduzir na arte esse apego concreto à existência. O interesse pelos costumes e a cultura populares foi uma de suas características. Parte significativa de sua iconografia demonstra as intensas relações que manteve com negros e mulatos.

Gomide casou-se em 1953 com sua aluna Beatriz de Paula Cunha. De suas amizades pode-se falar que eram ecléticas como o atesta o ambiente extravangate e de ressonância parisiense, que se formou no barracão da Rua Bela Cintra, 488, onde instalou seu último ateliê: "Babel de tipos, de gosto, de profissões", com as terças consagradas aos poetas, as quartas às espaideiradas e as quintas aos debates sobre a oceanografia e a pesca submarina. "Havia os poetas que lá se reuniam. Milliet, Guilherme de Almeida, Tigel eram os mais conhecidos. Havia uns senhores respeitáveis que suavam cruzando floretes enferrujados. Havia negrinhas lindas da Brasiliana e outros conjuntos folclóricos e seus parceiros ambíguos. Havia mocinhas do Jardim América e havia meninas da prostituição. Havia políticos, havia personagens "incertos". E nós, os da água, os remanescentes, ligados todos pela amizade ao anfitrião (...)". Quando a partir de 1964 os sintomas de cegueira se agravaram, embora a série de intervenções cirúrgicas a que se submeteu, Gomide conseguiu superar o desespero aprendendo o sistema Braille. Confinou-se a partir desse ano em Ubatuba (SP), nas proximidades do mar, numa casa em que os raros visitantes encontravam seus quadros pelas paredes e os "souvenirs". Em 1966 se achava totalmente cego. Sua saúde deteriorou-se em 1967, falecendo o artista de uma trombose cerebral aos 72 anos, no dia 31 de agosto de 1967.

Dele nos resta, além de sua obra, o testemunho dos que o conheceram. Falam de um homem de preparo europeu, porém, de uma maneira de ser profundamente paulista e brasileira. Simples e amável, melancólico e retraído, disperso e indiferente ao sucesso, grande trabalhador, era uma personalidade essencialmente boêmia. Seu espírito de independência, a incapacidade de procurar quem o promovesse ou de auto-pomover-se, somado ao indiferentismo e à insuficiência do meio, nos seus melhores anos, ajudam a explicar o ostracismo de seu nome nos levantamentos qualitativos da história da arte moderna no Brasil.     

Prof. WALTER ZANINI (Trechos do catálogo da Exposição Antonio gomide, MAC - Museu de Arte Contemporânea, S. Paulo - 1968)


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