Em uma nova parceria com Bruno Musatti, dono de um apurado olhar sobre a arte contemporânea brasileira, a Ricardo Camargo Galeria apresenta 50 obras, predominantemente de artistas que se tornaram expoentes da consagrada geração dos anos 80, selecionadas na coleção de Oswaldo Correa da Costa. A grande maioria dos trabalhos, 38 deles, foi adquirida nos ateliers dos artistas, então em inicio de carreira, e estão sendo exibidas agora ao público pela primeira vez.
Entre os destaques da exposição estão os trabalhos de Leonilson com 13 obras em várias técnicas, realizadas entre 1983 e 1988. A intensidade poética do artista, que foi alinhavada nos famosos bordados dos anos 90, pode ser vista numa diversidade de técnicas. Uma pintura de 1986, por exemplo, foi feita sobre o lenço do próprio Leonilson traz uma carta de amor costurada dentro de um coração.
Ao lado de Leonilson, Beatriz Milhazes está presente na mostra com seis telas, quatro delas em grandes formatos. São Madonas e Anjos numa surpreendente tela inspirada na opera Aida, premiada em 1984 no salão Nacional de Artes Plásticas do MAM, RJ. Todas as obras de impacto ainda não assimiladas pelo mercado, que se acostumou aos coloridos arabescos da artista nos anos 90. Com eles, Beatriz Milhazes bateu o recorde da obra mais cara de um artista brasileiro vivo em 2008 com o quadro O Mágico, vendido por U$ 1,049 milhões.
Outros artistas dos anos 80 revelam a originalidade de seus trabalhos. É o caso de Leda Catunda na bela pintura sobre cobertor e cortina de plástico com imagens do Pato Donald e num inusitado capacho em forma de montanha. Sergio Romagnolo mostra vigor em três obras inéditas, como a pungente Caravela e a paradoxal Casal armado se beijando. Expoente de sua geração, Tunga surge com uma rara e famosa tranca feita de fios de chumbo e uma delicada homenagem em papel de algodão ao compositor renascentista Carlo Gesualdo. Já Luiz Zerbini expõe duas intensas pinturas, sem títulos, mas identificadas por Lagoa do Abaete e Cais, esta última presente na Bienal Internacional de São Paulo de 1987.
Embora o foco da coleção de Correa da Costa seja a década de 80 - da qual a mostra ainda traz obras preciosas de Emmanoel Nassar e Iran do Espírito Santo, entre outros artistas-, a seleção da mostra extrapola este período. Assim reluzem ainda na exposição um magnífico Índio, de Rubens Gerchman, de 1975, autêntico contraponto a poderosa técnica mista de Nuno Ramos, que por sua vez contrasta com a limpidez da Gota de Edgard de Souza. Como aconteceu nas duas séries anteriores sob tema de Recortes de Coleções exibidas aqui, não é sempre que se consegue reunir um conjunto de obras de arte contemporânea brasileira desse quilate numa mesma galeria.
Ricardo Camargo
colaborou Roberto Comodo
Filho de um diplomata, morei no exterior grande parte da vida. Em Londres, iniciando na adolescência, li um romance sobre Michelangelo e me apaixonei pelo Renascimento. Passei a frequentar museus e devorar tudo que encontrava sobre o assunto. Aos poucos, fui evoluindo cronologicamente ate chegar a arte contemporânea. Onde, para meu encanto, os artistas ainda viviam; era ate possível conversar com eles.
Fui treinando o olhar, formando o gosto. Em determinado momento, com grande ingenuidade, achei que tinha adquirido “ bom “ gosto, pois meu olhar coincidia com o que via nos museus.
Hoje entendo que meu gosto, se nao deixa de ser meu, formou-se a partir de olhares de historiadores, curadores, autores e editores de revistas de arte. A coincidência nao era assim tao grande.
Ate 1973, meu interesse era pura curiosidade. Nesse ano, durante um passeio de carro, acompanhei meus pais a um modesto leilão de antiguidades perto de Roma. Surgiu uma gravura surrealista de Man Ray. Para meu espanto, mesmo sem reserva, nao houve lance. Ninguém queria. Hesitantemente, levantei a mao e, por quase nada, ainda um menino viu-se proprietário de uma autentica obra de arte. Houve um clique, e a busca de reviver essa madeleine transformou-se numa viagem que ja chega a quase quarenta anos.
Cedo me fixei em arte contemporânea brasileira. Queria visitar ateliers e conversar com os novos Michelangelos. Essa era a arte do meu tempo, da minha cultura, engajada com questões que me dizem respeito. Muitos desse contatos tornaram-se boas amizades, acrescentando uma rica dimensão afetiva. Desde entao, jamais me desfiz de uma obra. Muitas foram escolhidas a dedo nos ateliers, e estao sendo expostas pela primeira vez.
De alguns, fui o primeiro colecionador. Algumas carreiras decolaram, outras nao. separar os acertos dos desacertos seria como julgar a qualidade a qualidade de uma pessoa pela sua riqueza. dai o desejo de incluir, aqui, obras de artistas que alcançaram níveis diferentes de consagração. Gostaria de enfatizar a primazia da obra. A historia da arte e a historia dos vencedores, e sua marola consigna ao esquecimento muito merece ser visto.
Durante esses anos todos, minha maior lição foi prestar atenção nas obras que me desagradam. Se o desagrado for pacifico, a obra tera pouco interesse, talvez por ser fácil (nos bajula), ou exibição de cozinha (faltou desafio) mas se o desagrado for desconfortável, talvez a obra tenha algo a me ensinar.
Outra lição foi dar sempre ‘ passo maior que as pernas”. Nunca me arrependi do que suei para adquirir, apenas do que me escapou. Com essa pequena seleção, espero que compartilhem algo que senti.