MERCADO DE ARTE 18

Exposição e Vendas nº 57
22 de novembro a 21 de dezembro de 2021


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Mercado de Arte Nº 18

Preservando a principal característica de ter pelo menos 15 obras especiais – inéditas ou fora do mercado a mais de vinte anos – , Mercado de Arte traz nesta exposição a seleção de 44 obras, de 25 artistas, e com técnicas diversas.

As obras selecionadas incluem variação de estilos e de escolas. Nesta exposição se pode admirar desenhos clássicos de Visconti, a paisagem lírica de Guignard, que fazem uma contraposição com o abstracionismo de Bandeira e Flexor, o pop-art de Gerchman e Lichtenstein, o concretismo de Willys de Castro e a nova figuração de Tomoshige entre outros. Apesar de aparentemente antagônicas entre si, há harmonia no conjunto, na sinergia exposta.

Há ainda seis maravilhosas obras sacras da importantíssima coleção do Dr. Isaias Melsohn, com destaque especial para a capa deste catálogo: o par de Anjos do Mestre Valentim, que dispensa qualquer comentário.

Agradeço a todas as pessoas que colaboraram com obras para tornar essa exposição digna de mais este Mercado de Arte.

Ricardo Camargo



Coleção Isaías Melsohn

A combinação de arte moderna com mobiliário, prataria e imaginária de época se converteram em elementos fundamentais na decoração da casa brasileira contemporânea – sinônimo de bom gosto, investimento e resgate de tradições. Com o passado em foco, as obras coloniais e trabalhos de artistas modernistas passaram a conviver em ambientes de residências sofisticadas. Acervos particulares foram ampliados. Ermidas, arcazes e talhas religiosas saíram de velhas alcovas para as salas expositivas e, aos poucos, conquistaram paredes, vitrines, honras museológicas e páginas de livros.

Nesta seara de importantes coleções e colecionadores destaca-se o icônico acervo do médico psicanalista Dr. Isaías Melsohn (1921-2009) – um dos membros fundadores da sociedade brasileira de psicanálise – atuante político, pensador, professor e amante das artes. Sua coleção reunida na segunda metade do século XX foi composta por preciosas imagens da escola portuguesa, imaginária paulista, seguidores da estética de Frei Agostinho de Jesus, relicários do Mestre de Angra dos Reis, talhas de Valentim da Fonseca e Silva, arte colonial mineira, da Bahia, Pernambuco, Goiás, missões, carrancas, fragmentos, pinturas, exvotos, oratórios, alfaias, peças eruditas e populares, de relevância artística nacional, da melhor tradição barroca brasileira. Trabalhos que participaram de memoráveis exposições no MASP, Fundação Bienal, Museu de Arte Sacra de São Paulo e recomendado pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) para incorporação em instituições de fomento à cultura, sendo considerado de relevante potencial plástico e educativo.

A Coleção Isaías Melsohn, ora disponibilizada em seis obras, para apreciação, deleite e aquisição no espaço Ricardo Camargo Galeria representa uma rara oportunidade de encontro com as nossas principais raízes históricas e seus mais brilhantes intérpretes – gênese da arte sacra no Brasil.

Rafael Schunk

arquiteto, mestre em artes visuais e pesquisador de imaginária colonial



Mestre Valentim exerceu a profissão de arquiteto, urbanista, desenhista, escultor, entalhador, bronzista e ourives na cidade do Rio de Janeiro. Durante a gestão do vice-rei Dom Luís de Vasconcelos e Sousa (1740-1807), entre 1779 e 1790 foi o principal construtor de obras públicas nas áreas de saneamento, abastecimento e embelezamento urbano, como o Passeio Público – o primeiro espaço de lazer do carioca. Nesse local, as fontes e bebedouros fundidos em ligas de bronze, ferro, estanho e chumbo valorizavam figuras como o Caçador Narciso e a Ninfa Eco, as aves pernaltas, jacarés, patos, tartarugas e coqueiro. Uma primeira tentativa de estilização de personagens e elementos da fauna e flora, precursor de temáticas nacionais na arte brasileira.

Os putti (meninos) esculpidos por Valentim são monumentais e de gestos expansivos; representados de corpo inteiro, com asas laterais, entalhes de tecidos cobrindo a nudez, cabelos revoltos, narizes arrebitados, olhos orientais, feições mestiças e perfis fartos. O traço atarracado e volumoso é herança da estética barroca de Bernini (1598-1680), adotado na arte da Península Ibérica e repassado ao Brasil colonial; um contraponto aos anjos de feições alongadas do Norte da Europa.

Os anjos são mensageiros de Deus e dos homens, gravitando entre o céu e a terra. Tradicionalmente são posicionados como tocheiros antropomórficos a iluminar os altares, na decoração de peanhas, colunas ou quartelões. Este par de anjos em atitude de adoração compunha a teatralidade do cenário barroco no coroamento do retábulo-mor da Igreja de São Pedro dos Clérigos ladeando a figura do Pai Eterno. Enquanto um segurava o resplendor do Divino Espírito Santo, o outro sustentava o globo com a cruz, (símbolo do Cristo), compondo o grupo da Santíssima Trindade.

R.S.



Santa Luzia

Santa Luzia (Siracusa, Itália, 283-304) era de família abastada, geralmente representada na história da arte com vestes suntuosas, e foi martirizada por se recusar à idolatria dos deuses na época do imperador Diocleciano.

Esta obra baiana do século XVII vincula-se as melhores faturas conventuais dos principais centros produtores de imagens nesse período: São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. A sóbria e nobre escultura de gestos contidos é sustentada por uma peanha circular; santa representada à maneira das princesas romanas. A talha é animada pelas ondulações do manto em amassados verticais e diagonais, dobras e drapeados volumosos caindo até a base, em movimentos que rimam com os cabelos agitados em curvas e contracurvas. A decoração da veste foi composta por pinturas de folhagens, punções formando baixos relevos e laivos dourados.

A mão direita da mártir outrora sustentava uma palma perdida, signo de pureza e castidade e, na mão esquerda, a bandeja com os olhos, símbolo do sacrifício.

R.S.



Nossa Senhora da Conceição

Trata-se de uma das mais singulares esculturas da escola de imaginária paulista. A feição serena da virgem com cabelos estriados em quedas ondulantes sobre os ombros nos remete aos repertórios dos marfins indo-portugueses reinterpretados na escultura em terracota. Sua efígie se alonga acima da peanha, e contém uma base composta por três grandes faces de anjos com fisionomias mamelucas; organização ternária em alusão à Santíssima Trindade: o Pai, o Filho, o Espírito Santo – simbolizando o equilíbrio e a perfeição. O manto generoso da santa é de feitio inspirado em modelo culto e apresenta linhas diagonais rimadas na forma de “S”, ampliando o volume e sua corporalidade. A perna levemente flexionada para a esquerda indica noções de anatomia e erudição no repertório do artista.

Obra atribuída ao Mestre de Sorocaba, santeiro que esculpia imagens com laços generosos atados nas vestes, decorados com borlas nas pontas, flores em baixo relevo ou folhas de acanto. O artista, possivelmente de origem beneditina deixou significativa produção no Vale do Tietê – seguidor da escola de Frei Agostinho de Jesus. Nossa Senhora da Conceição foi policromada nos tons azul Royal e vermelho Granada, as cores oficiais para representação de Nossa Senhora. Os matizes azuis (na iconografia cristã) simbolizam a transcendência, o mistério e o divino (em conexão com o infinito). O vermelho, em contraste, é associado à terra e ao sangue – divindades sagradas envoltas em condições humanas.

R.S.



Nossa Senhora da Anunciação

As festividades da Anunciação do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria são comemoradas desde o século V no Oriente e, a partir do século VI, no Ocidente, nove meses antes do Natal. Esse acontecimento fez de Maria o primeiro sacrário da Eucaristia, recebendo dos cristãos o título de Nossa Senhora da Anunciação.

A imagem, de belíssima expressão popular apresenta estilização das formas observada a partir de um modelo oficial. A base circular é encimada por peanha representando a orbe terrestre e sustenta um panejamento geométrico simplificado. A singeleza nos remete as devoções religiosas do interior paulista, e se assemelha as produções de artífices do Vale do Rio Paraíba do Sul no período cafeeiro. Embora, esteticamente, seja uma peça semelhante às paulistinhas (pequenos santos produzidos em oficinas laicas), o porte monumental e incomum indica uma imagem de veneração em capela de sítio (assim designada, pela proporção, com o adjetivo de paulistão).

A palma na mão de Maria indica a pureza e sinaliza a visita de São Gabriel Arcanjo,proferindo a oração aclamada pelos fiéis: a “Ave-Maria”. É o cumprimento do Velho Testamento, com a abertura do caminho para a Boa-Nova, a redenção e salvação da humanidade centrada no nascimento de Jesus. Na simplicidade de sua vida e fé, Maria exclamou: “Sou a serva do Senhor. Faça-me em mim segundo a Sua vontade”.

R.S.



Nossa Senhora da Piedade

Esta imagem apresenta características cônicas e eruditas similares aos modelos deixados por Frei Agostinho de Jesus no planalto paulista. A parte interna da terracota vermelha é ocada, o que conferiu um cozimento integral na fatura. Nesta obra emblemática, o manto azul de Maria recobre as pedras do Gólgota. A face desfalecida do Cristo está inclinada para baixo e os membros apoiados nos braços de sua mãe. Ela, por sua vez, direciona o rosto em prostração aos céus. O corpo imolado é acolhido no ventre materno. As cores soturnas e expressões dramáticas dos personagens enfatizam dor e paixão à cena comovente – peça de grande impacto e panejamento primoroso.

A invocação da Piedade simboliza o amor e proteção maternal de Maria para com seu Filho. Segue a tradição medieval de representar o Senhor Morto em tamanho desproporcional ao da Mãe. Com uma das mãos, Nossa Senhora sustenta Jesus no colo e na outra extremidade afaga o seu braço esquerdo. O perfil do Cristo despido, ensanguentado e retorcido está apenas recoberto no quadril com o perizônio, movimento que acentua a dramaticidade da cena, revelando o surgimento de gramáticas barrocas no repertório dos santeiros coloniais entre os séculos XVII e XVIII. A Pietà tenta erguê-lo, porém, sua missão de redimir os pecados do mundo fora consumado.

R.S.



Par de Tocheiros

O par de tocheiros está assente em bases circulares escalonadas (pés de bolacha) e são sustentados por fustes torneados em gomos. Peças coloridas nos tons azul, vermelho, verde e encimadas por bobeches em latão cinzelado policromado (tanque para contenção da cera derretida) em formas de pétalas.

Tocheiros são acessórios dos mobiliários das igrejas destinados à iluminação, e compõe o conjunto de alfaias das banquetas dos altares. Dispostos geralmente em grupos de seis peças, eram intercalados com palmas, relicários e crucifixo. A banqueta é um degrau estreito, um pouco mais elevado que o altar, contendo um conjunto de castiçais e ânforas com flores (símbolos da vitória, paz, alegria e vida eterna).

R.S.


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